Rafael Camarasa




RESISTÊNCIA

Telefonou para dizer que me envia um poema pelo correio. “Não interessa se o vais ler. É o de menos”, explica-me. “Imagina-o apenas na sua viagem selado por máquinas infalíveis; classificado por funcionários conforme procedimentos e normas. No fundo de um saco sujo, entre publicidade e facturas, seguindo os trâmites de um mundo que repele por natureza. Não é como um raio de sol na bruma de um romance das Brontë?”. Hoje recebi o envelope com a sua franquia regulamentar, e no interior uma pequena folha de papel dobrada pela metade. É certo que estava em branco e não havia poema algum, porém não posso afirmar que nele faltasse poesia.



AGOSTO

Hardy conduzia a mota. Laurel, atrás, olhava a costa. Uma gaivota rasou as suas cabeças e ambos se agacharam à vez. O gordo quando recorda aquele dia fala do perigo que espreitou. O magro do quão brancas eram as asas da gaivota. A máquina fez um par de ziguezagues e recuperou o equilibrio. Alguns ainda se perguntam como podem ser felizes juntos.


Rafael Camarasa, in O Sítio Justo / El Sitio Justo - Obra vencedora do Prémio Palavra Ibérica 2008, tradução de Tiago Nené

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